A primeira vez em que te vi, você estava chorando sentado num banco de um parque em Viena. Era Outubro. Quatro da tarde. Fazia frio. Sobre o seu corpo caía uma chuva de folhas outonais. Passei por você, mas você não me viu. Estava chorando muito. Você soluçava junto com as folhas que caíam. Atrás de você havia uma moça tocando ADÁGIO EM SOL MAIOR num violino. Ela tocava e você chorava. Fiquei ali , em pé, te olhando... Já estava dentro daquela música, presa ao seu soluço. Numa tarde fria nublada, uma tarde típica de um outono Vienense, estava despedida de mim mesma, vendo as folhas cairem, vendo você soluçar e admirando a moça tocar violino. A impressão que senti, eram de tintas jogadas em uma tela.
Te olhei...
Deixei que as folhas caíssem em cima de mim. Deixei que a música daquele violino entrasse no meu corpo.
Me olhei...
Você não parava de chorar. Fiquei ali na sua frente, você me via, mas não enxergava.
Nos olhei...
Fui me afastando acompanhando a música de Albinoni.
Fui embora de você levando comigo aquela imagem, de apenas uma tarde de Outono em Viena.
Rio, 28/04/97
Tempestade, furacão, roda moinho
Em ebulição você fica a vagar dentro dos seus pensamentos
que te levam à delírios febris.
Calmaria também, como ondas suaves do mar que envolvem todo o seu Ser
Numa sinfonia climática.
Você a procura de um caminho
Que num efêmero desejo lhe enlouquece
Na vontade de ir.
Sua cabeça fica um turbilhão, dentro de uma cidade enlouquecida,
Onde se anda na contra mão.
Você também é calmaria, é a brisa suave de fim de tarde,
É o sunset no Arpoador.
Rio, 13/02/91
Palavra falada
Palavra sentida
Sorriso em círculo
Seus olhos transparentes me deixam ver o seu sentimento
Ilhado na cidade
Sorriso oculto
Seu semblante espalhado no ar.
Sexta- feira, paixão.
Você que fica nesse turbilhão, se perdendo dentro
De si em cada esquina.
Só com leões famintos sobrevivendo nas entranhas da cidade entre
concreto
tictac
rock roll
poluição
violência
favelas
esgotos
trombadinhas
rádio patrulha
poluição sonora
engarrafamento
Rebouças
40 graus, você que é apenas um ponto nesta multidão.
Vá rasgue a cidade, mostre o seu avesso, e atravesse para o seu outro lado.
Rio, 1987
Quero ler Sartre para poder entender melhor a filosofia humana.
Quero ler Kafka para entender o que não entendo.
Quero ler Simone de Bouvoair para entender mais sobre o sexo Frágil.
Quero ler Lauro César Muniz, por ser meu amigo.
Curitiba, 1994
Um beijo com gosto de gim e menta
Um beijo não lembrado como é que foi
dado no fim da noite, depois de horas de agitação,
emoção e espera, que o tempo levou.
O reencontro não esperado da sua parte,
Uma palavra dita entre os olhares curiosos.
Uma sensação estranha. Alguma coisa presa na sua
garganta, talvez a surpresa da minha viagem.
Fim de noite, fim de festa
E aquela noite ficou esquecida no tempo.
Gostou? Gostamos? Ter medo por que?
Quero bis.
Rio, 1991
Eu me lembro bem, foi num Domingo desses bem ensolarado daqueles que não se tem vontade de sair da praia para ir à lugar nenhum, foi quando fui levada a um restaurante pelo barulho que o meu estômago fazia. Peguei minhas coisas e fui caminhando escutando a sinfonia estomacal. Chegando lá, peguei uma mesa na parte de fora do restaurante. Pronto ,agora o almoço pensei. Olhei as pessoas em volta exalando felicidade nos olhares gulosos. Acertei em cheio, pensei. Estava louca par pedir um badejo com batatas .Na véspera tinha sonhado com o badejo ao molho branco. _ "É ele mesmo pensei". O garçon logo veio sorridente trazendo o menu que foi muito bem recebido. Ao anotar o pedido, perguntou-me o número do prato, e eu logo lhe disse, -"É o 23". Era aquele número que estava me apetitando. Nunca podia imaginar que algum dia fosse dar importância a um número. Tentei até associá-lo a alguma data, 23 de Abril... 23 de maio... é apenas combinação do número 2 com o 3.
Depois de uma hora feito o pedido, comecei a estranhar a sua demora, afinal o prato não era tão complicado assim e muito menos o número, pois se fosse o 2223 ou 7855, ou XXXVVVIII, o atraso ainda poderia ser a admissível, mas logo um número formado por dois dígitos... tudo bem, tolerei a demora, até que o garçon veio à minha mesa e informou que o prato tinha desaparecido. Seria o efeito do terceiro chopp em meu estômago vazio? Como é que um prato pode desaparecer? Roubaram o meu badejo!!! Pensei eu. Ele naturalmente muito sem jeito, tentou explicar melhor. Nunca, mas nunca em minha vida u soube de alguém que tivesse pedido um prato em um restaurante e este por descuido sumira. Tentei entender as palavras do garçon, ou melhor decifrá-las. Que situação mais surrealista chegar em um restaurante fazer um pedido, esperar mais de uma hora e o garçon chegar com a cara mais idiota tentando se explicar, torcendo os dedos, que o prato sumira. Com quem poderia estar o meu Badejo? Meu Deus, será que alguém o achou irresistível e saciou o seu desejo degustando-o ao molho de vinho branco? Mas quem? Os cozinheiros, os próprios garçons? Afinal eu era dona daquele prato, daquela idéia, daquela situação. Fui eu quem escolheu o prato número 23. Será que é tão desejado assim? Pensei A essa hora alguém já deve estar degustando o meu badejo, ao molho de vinho, e eu aqui morrendo de fome. Pensava obsessivamente no meu peixe. Olhei dentro dos olhos daquele garçon irreverente, pedi novamente o mesmo prato, o número 23, e o aconselhei, ou melhor, ordenei-o que ficasse de resguarda na cozinha para que o meu peixe tão desejado não sumisse novamente. Depois de uns quinze minutos, senti aproximando-se de mim um aroma inebriante . _ "É ele..." pensei, é o meu tão desejado badejo com molho de vinho branco com batatas. Levantei da mesa esticando a mão exclamei. "_Seja bem vindo" !!!
O Máximo da Solidão Patética
Essa cena se passa num trem. Uma mulher entra no trem carregando uma bolsa. Olha para as pessoas e senta do lado de um homem que está compenetrado lendo um livro
MULHER — Tem gente aqui???? Não???? Então com licença. (Senta. Pausa. Para o homem) Como esse trem está sujo!!!!! Está cada vez mais sujo!!! Esse livro que você está lendo parece ser bem interessante!!!!!! Pela sua cara parece um livro de mistério. (Pausa. Tira de dentro da bolsa um pacote de biscoito). — Quer biscoito????? Pode pegar, tá fresquinho. Você também está indo para Japeri??????? Não????? Eu tou. Sabe, eu vou toda semana. Todas as quintas-feiras. Saio de casa, pego esse trem e faço essa viagem. Chego lá, almoço no mesmo restaurante e peço a mesma comida. Passeio um pouco pela cidade e volto para casa. Vou e volto, vou e volto. Às terças-feiras vou para uma praça que tem em frente a minha casa. Lá converso com um, com outro, sei de cada estória... Às segundas-feiras, leio todos os jornais em casa. É o dia das notícias. Fico a semana inteira torcendo para que se tenha notícias interessantes nas segundas-feiras. Pega mais biscoito... ei, pode pegar, faça cerimônia não. (Pausa) Isso, pode pegar. Bem, as quartas-feiras fico em casa vendo TV, vejo toda a programação da TV, ou senão fico observando as gotas cairem da torneira do tanque. Cai uma por uma em média de dez em dez segundos. (Pausa. Tentando olhar para a cara do homem) —Recentemente comprei um telefone e pedi para todos os domingos o dono da farmácia que tem em frente a minha casa ligar para mim. Ele liga todos os domingos às 4 da tarde, dizendo quantos remédio vendeu. (Suspirando) Só assim o telefone toca. Ele me diz todo o movimento da farmácia, quem compra o que... Quem vai lá e não compra. Puxa, que pena, acho que estou chegando em Japeri. Mas na quinta-feira que vem estarei aqui novamente, nesse mesmo horário. Espero poder te encontrar. Foi um prazer. Esse livro realmente deve ser muito bom. Você não tirou os olhos dele um minuto sequer. Pena que o trem chegou em Japeri, senão eu ia pedir para você contar a estória para mim. (levantando-se) mas quem sabe na quinta-feira que vem, eu te conto o que faço nos outros dias da semana. Se esfriar muito fecha a janela. Quinta que vem dou o número do meu telefone para você ligar para mim contando dos outros livros que você já leu. Bem, foi um prazer, vou querer ler esse livro, pois deve ser ótimo. Até quinta-feira. Tchau.
A Girafa
Sala de aula. Nina entra esbaforida para a sua aula particular de designer. Abre a porta da sala e vê seu professor calmamente desenhando algo.
Nina – Você não pode imaginar como está a Av. Rio Branco, uma loucura!!!!! Tudo parado, congestionado, há mais de três horas.
Professor – Não é novidade nenhuma. A Av. Rio Branco está sempre assim. A qualquer hora do dia...
Nina – Mas hoje, especialmente hoje está uma loucura!!! Está até dando na TV. Você não está vendo????????!!!
Professor – (Desenhando) – Ver o que??? Engarrafamento?????? Ah, isso eu vejo toda hora.
Nina (Agitada) – Não é possível que você não esteja vendo. Acho que a cidade inteira, ou o país inteiro parou para assistir. Estão gravando, tem várias emissoras de TVs, rádios...
O professor olha para Nina e dá um sorriso.
Nina – Polícia, gente, mais gente e mais gente. Carros e carros parados buzinando, ônibus, vans, motos, buzinando há mais de três horas, uma verdadeira poluição sonora... Você tinha que ter uma TV aqui, mas que alienação... Você sabe porque está tudo parado????? Você não faz idéia...
Professor – (Desenhando) – Por que?????
Nina – Por causa de uma girafa.
O professor sorri.
Nina – Uma girafa. Mas eu não entendo, por que é que não tiram a girafa do meio da rua.
Professor – (Sem tirar os olhos do papel) você não sabia que isso é uma filmagem?????
Nina – Filmagem.???? É parece filmagem mesmo... Pois o que tem de câmeras espalhadas... Tem até grua. Mas não pode ser filmagem assim no meio da rua.
Professor – Por que não??? O que impede???!!!! É uma filmagem.
Nina – Ora, como uma filmagem? E o trânsito?????? Que isso????? Como é que vão filmar uma girafa sem antes comunicar aos jornais, sem fechar um trecho da Av. Rio Branco? Fazer o transtorno que estão fazendo no trânsito. Eu por exemplo fiquei parada na Av. Rio Branco dentro de um ônibus por mais de duas horas, por causa de uma girafa. E você acha isso natural?????
Professor – Só disse que é uma filmagem.
Nina – Que seja, mas deveria ter saído na imprensa que hoje a Av. Rio Branco seria fechada para uma filmagem com uma girafa. Que falta de respeito com a população... Parece até uma filmagem de Spielberg, uma superprodução.
Professor – E é mesmo. É uma super produção.
Nina – Eu sei. Nada contra filmagens nas ruas, mas o povo tem a obrigação de ser avisado.
Professor – (Tirando os óculos e olhando para Nina) – Mas você tinha a obrigação de saber que hoje é o dia do lançamento das jóias Alfarrá. Todos os designers estão sabendo.
Nina – (espantada) – Como é que é??????? Que estória é essa??????
Professor – Você precisa ficar por dentro desses eventos.
Nina (Sem entender nada) – Mas...
Professor – Por isso que o lançamento está sendo feito assim na rua.
Nina – Tudo bem, mas isso não justifica de uma girafa fazer toda essa baderna na Av. Rio Branco.
Professor – Você é uma ótima aluna, mas precisa aprender um pouco mais de marketing. Esse lançamento está causando impacto em todos. Tanto é que o país inteiro parou para assistir. É isso que eles querem. Impacto. Que esse alvoroço todo saia nas tvs, nos jornais, rádios...
Nina – Mas não é justo que...
Professor – Se o evento fosse avisado, naturalmente que não iria causar tanta repercussão. Você viu bem a girafa??????
Nina – Tentei chegar o mais perto possível. Teve uma hora lá que devia estar há uns dois metros dela. Havia umas cinco modelos... Gente, mas gente que não acabava mais. E os carros, motos, vans, buzinando... Um verdadeiro turbilhão.
Professor – Você notou que atrás dela tinha algum painel??????
Nina – (Pensativa) – Agora me lembro... Tinha um painel gigantesco escrito Alfarrá.
Professor – Amanhã a Alfarrá será capa de todos os jornais e revistas do país. Por isso que escolheram uma girafa para o lançamento de colares, pulseiras.....
Nina – Ah,!!!! A girafa estava com pulseiras.
Professor – Se fosse um desfile por mais bem produzido e divulgado que fosse, não iria causar todo esse impacto.
Nina – Pode dar complicação com a polícia.
Professor – Tenho certeza que estão todos adorando. A polícia então... A Alfarrá a partir de amanhã será uma forte concorrente.
Nina – Pensando bem, é uma jogada ideal!!!
Professor – E a girafa fará parte da logomarca da Alfarrá. Mulheres altas, com pescoço longo adorarão usar as jóias da Alfarrá.
Nina – O que você tanto desenha aí????????
Professor – Ah, não te contei não???? Fui convidado para fazer o designer dos colares da Alfarrá, para mulheres baixinhas e com pescoço curto. Ah, e o lançamento será daqui a dois meses. Também na Av. Rio Branco.
Nina – Pelo amor de Deus, pelo menos me avisa o dia que será para eu não sair de casa.
Rio, 13 de fevereiro de 2001